domingo, 21 de março de 2010

Antigamente era assim

TEXTO DE
José Antônio Oliveira de Resende
 
Professor de Prática de Ensino de Língua Portuguesa, do
Departamento de Letras, Artes e Cultura, da Universidade
Federal de São João del-Rei.

  
Sou do tempo em  que ainda se faziam visitas. Lembro-me de minha mãe mandando a gente caprichar no banho porque a família toda iria visitar algum conhecido. Íamos todos juntos, família  grande, todo mundo a pé. Geralmente, à noite.
Ninguém avisava nada, o costume era chegar de  paraquedas mesmo. E os donos da casa recebiam alegres a visita. Aos poucos, os moradores iam se apresentando, um por  um.
– Olha o compadre aqui, garoto! Cumprimenta a comadre. 
E o garoto apertava a mão do meu pai, da minha mãe, a minha mão e a mão dos meus  irmãos.
Aí chegava outro menino. Repetia-se toda a diplomacia.

– Mas vamos nos assentar, gente. Que surpresa agradável! 
A conversa rolava solta na  sala. Meu pai conversando com o compadre e minha mãe de  papo com a comadre. Eu e meus irmãos ficávamos assentados todos num mesmo sofá, entreolhando-nos e olhando a casa do  tal compadre. Retratos na parede, duas imagens de santos  numa cantoneira, flores na mesinha de centro... casa singela e acolhedora. A nossa também era assim. Também eram assim as visitas, singelas  e acolhedoras. Tão acolhedoras que era também costume servir um bom café aos visitantes. Como um anjo benfazejo, surgia alguém lá da cozinha – geralmente uma das filhas – e dizia:
 

– Gente, vem aqui pra  dentro que o café está na mesa.
Tratava-se de uma  metonímia gastronômica. O café era apenas uma parte: pães, bolo, broas, queijo fresco, manteiga, biscoitos,  leite... tudo sobre a mesa.Juntava todo mundo e as piadas  pipocavam. As gargalhadas também. Pra quê televisão? Pra quê rua? Pra quê droga? A vida estava ali, no riso, no café, na conversa, no abraço, na esperança...
Era a vida  respingando eternidade nos momentos que acabam.... era a  vida transbordando simplicidade, alegria e amizade...
Quando saíamos, os donos da casa ficavam à porta até que virássemos a esquina. Ainda nos  acenávamos. E voltávamos para casa, caminhada muitas vezes  longa, sem carro, mas com o coração aquecido pela ternura  e pela acolhida. Era assim também lá em casa. Recebíamos as visitas com o coração em festa... A mesma alegria se repetia. Quando iam embora, também ficávamos, a família  toda, à porta. Olhávamos, olhávamos... até que sumissem  no horizonte da noite.
O tempo passou e me formei em solidão. 
Tive bons professores: televisão, vídeo, DVD, e-mail...Cada um na sua e ninguém na de ninguém. Não se recebe  mais em casa. Agora a gente combina encontros com os amigos  fora de casa:
– Vamos marcar uma  saída!.. – ninguém quer entrar mais.
Assim, as casas vão se transformando em  túmulos sem epitáfios, que escondem mortos anônimos e possibilidades enterradas. Cemitério urbano, onde  perambulam zumbis e fantasmas mais assustados que  assustadores.
Casas trancadas... Pra quê abrir? O ladrão pode entrar e roubar a lembrança do café, dos pães, do bolo, das broas, do queijo fresco, da manteiga, dos biscoitos, do leite...
Que saudade do compadre e da comadre!...